segunda-feira, 23 de junho de 2014

Reflexão sobre o suicídio de Getúlio Vargas

Vargas: “Saio da vida para entrar na história”


Por Leticia Cristina Souza Campos*

1   Em 1951, Getúlio Vargas assumia a presidência do Brasil pela segunda vez de forma democrática e por aclamação popular. Anteriormente, havia governado o país por quinze anos, sendo uma boa parte dele, entre 1937 a 1945, de forma ditatorial e repressora. No entanto,  este mandato que deveria durar cinco anos, encurtou-se para apenas quatro, pois o ex-presidente tirou a própria vida em um ato considerado por muitos, de caráter político.  Passados 60 anos, poucos sabem as razões que levaram, ou colaboraram para o trágico fim de Vargas. Qual era a situação política e econômica do Brasil durante o período? Por que setores da sociedade como a Marinha e a Aeronáutica deixaram de apoiar o presidente? Quem eram os principais opositores de Vargas? Qual a relação do atentado na Rua Toneleros ao início da crise do governo? O que levou Vargas a tirar a própria vida?
2.       Antecedentes do segundo governo de Vargas: General Eurico Gaspar Dutra
Para que entendamos melhor o segundo governo de Vargas, é preciso compreender seu antecessor, o General Eurico Gaspar Dutra, que governou o país entre 1946 a 1951. Dutra é eleito presidente com 55% dos votos válidos, com apoio de Vargas, depois do mesmo ter sido deposto da presidência em 1945, depois de 15 anos de ditadura, o Estado Novo. Dutra era ministro da guerra no governo de Vargas, apoiado pelo PSD (Partido Social Democrático), e pelo Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB. Disputou as eleições com o Brigadeiro Eduardo Gomes, pela UDN (União Democrática Nacional), e com Yedo Fiúza candidato do Partido Comunista Brasileiro, o PCB. Mesmo com a eleição de Dutra, Getúlio Vargas não se afasta da política, já que acabou elegendo-se senador da República.
A Constituição Brasileira estava corroída, desgastada pelo longo período da ditadura varguista. Foram duas, que ele mesmo afirmava “ter rasgado”. Agora, uma nova constituinte se formava para que os rumos do país pudessem novamente respirar ares de democracia. Dentre os principais aspectos da Constituição de 1946, destacam-se:
·         Mandato presidencial de cinco anos;
·         Autonomia das unidades federativas, com possibilidade de intervenção federal;
·         Restabelece o regime presidencialista;
·         Autonomia e independência das instâncias dos três poderes;
·         Incorporação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), elaborada por Vargas no governo anterior.
Esses pontos foram importantes para que atendessem as necessidades tanto dos grupos dominantes, quanto dos sindicatos e trabalhadores. Porém, o início do governo de Dutra foi marcado por grandes turbulências, principalmente trabalhistas. Diversos sindicatos foram fechados, e o Partido Comunista Brasileiro, cai na ilegalidade, e os deputados comunistas tiveram seus mandatos cassados. Muito se deve à forte presença dos Estados Unidos e da União Soviética no pós Segunda Guerra Mundial. O crescimento das forças bilaterais dividia o mundo, as ideologias. De um lado, os Estados Unidos comandavam o capitalismo ocidental, e procurava frear de todas as maneiras o avanço da ideologia comunista. O ambiente da Guerra Fria estava sendo desenhado. O Brasil deveria assumir uma postura. Dutra assina diversos acordos financeiros com os Estados Unidos, e libera a importação de mercadorias, levando ao esgotamento das divisas brasileiras, fazendo-o rever sua postura no fim do mandato, restringindo algumas importações, fomentando a economia interna da nação. Para isso, elaborou o Plano SALTE em 1950, voltado para a saúde, alimentação, transporte e energia. Foi construída a rodovia que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, que leva seu nome, e iniciou-se a construção da rodovia Rio-Bahia. O ensino de baixa qualidade coloca o país entre os que têm a maior quantidade de analfabetos do mundo, então Dutra fomenta a alfabetização de adultos. A industrialização cresce nas cidades, principalmente em São Paulo, atraindo milhares de pessoas para as áreas urbanas, gerando graves problemas de moradia e infraestrutura urbana. Pelo baixo aproveitamento do Plano SALTE, foi abandonado no ano seguinte durante o governo de Vargas.
O endividamento externo, o desemprego, o desaquecimento econômico, encerra melancolicamente o governo Dutra.

3.       Getúlio Vargas – 1951 a 1954 – contexto histórico

Conhecido por governar o país de forma populista, Getúlio Vargas trabalhava com o equilíbrio de interesses entre as classes mesmo fossem divergentes umas das outras. Assim, Getúlio Vargas assume o poder em 1951 depois de ser deposto em 1945. Disputou a eleição com o Brigadeiro Eduardo Gomes candidato da UDN; Cristiano Machado, pelo PSD; e João Mangabeira, do PSB (Partido Social Brasileiro). Vargas é eleito com 48,7% dos votos válidos, legitimando sua importância política para o país.
Com a nova Constituição Federal promulgada em 1946, no governo anterior, esse mandato de Vargas é conhecido pelo caráter democrático. O presidente, outrora repressor e ditador não queria “rasgar” novamente uma Constituição, mesmo sendo obcecado por poder. Hábil articulador, conseguia “costurar” alianças entre grupos divergentes, tirar da oposição seus inimigos, e atender aos interesses de quem o procurava.
Logo em 1951, o Plano SALTE de Dutra é abandonado, e em seu lugar é criado o Plano Lafer (Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico), que visava fomentar os investimentos na otimização dos serviços públicos, como telecomunicações, energia e transportes, além de potencializar a indústria de base. Também como uma das primeiras medidas de Vargas estava o combate às remessas de lucros das empresas estrangeiras instaladas no Brasil. Para o governo era inconcebível que uma empresa enviasse cerca de 90% de seus lucros para o país sede, e não retornasse quase nada em investimentos para o Brasil. O Brasil era considerado uma “vedete” do mercado internacional.
Mantendo a linha de político populista, Getúlio busca nos trabalhadores o apoio que precisa para governar, já que ele não conseguira a maioria da bancada no Congresso Nacional. Os feitos de seu governo anterior tornam-se a bandeira hasteada para que houvesse o necessário de governabilidade. A leis trabalhistas e a flexibilização das ações dos movimentos sindicais ajudaram muito. Também, a nomeação de João Goulart como Ministro do Trabalho do PSD, partido de oposição ao governo, mostrou o interesse Vargas em compor politicamente seu novo estilo de governar. Detalhe: Vargas autorizou Goulart a aumentar em 100% o salário mínimo. Obviamente, os trabalhadores ovacionaram a atitude, porém deu mostras claras de quanto a economia brasileira passava por profunda crise inflacionária.
Por causa disso, acabou atraindo outros segmentos que eram antigamente oposição, como setores da burguesia, sindicatos de esquerda, o próprio Partido Comunista Brasileiro, e parte do Exército Brasileiro. Mas a UDN, liderada pelo Brigadeiro Eduardo Gomes, a Marinha, tinham no jornalista Carlos Lacerda, proprietário do jornal Tribuna da Imprensa seus maiores opositores. Pregavam e denunciavam abertamente casos de corrupção na administração federal, os desmandos do presidente, e pediam a destituição de Vargas do poder. Forma-se então uma onda antigetulista no país, tentando associar o novo governo ao Estado Novo.
Podemos dizer que o fim do getulismo no Brasil começou no dia 05 de agosto de 1954. O episódio conhecido como o Crime da Rua Toneleros caracterizou-se na tentativa de assassinar Carlos Lacerda. Porém, quem acabou morrendo foi o seu guarda-costa, o Major-aviador Rubens Vaz. Carlos Lacerda escapou com ferimentos leves. O guarda municipal Sávio Romero, depois de ser atingido por um tiro na perna e cair, consegue anotar a placa do táxi estacionado na praça próximo à casa de Lacerda. Foi o início da investigação que levaria a Alcino João do Nascimento, Crimério de Almeida, Nelson Raimundo de Souza, membros da guarda pessoal de Getúlio. Mas o suficiente para que se organizassem uma rede opositora à Vargas, acusado de ter planejado e mandado executar o crime. O atentado ganhou as manchetes de todos os jornais brasileiros. A Tribuna da Imprensa torna-se a porta-voz da mídia contra o presidente. A UDN tem à frente o Brigadeiro Eduardo Gomes, que, junto com Lacerda, buscam no Congresso Nacional apoio para forçar o presidente a renunciar, e convocar novas eleições. Instalou-se o clima de tensão interna e externa no governo.
Nas investigações do atentado descobriu-se que pessoas ligadas à guarda pessoal do presidente estavam envolvidos diretamente no crime aumentando as manifestações nas ruas, na imprensa para a saída de Getúlio. Em todo momento, o presidente declarava-se inocente das acusações. Um manifesto assinado por 30 militares da Marinha e da Aeronáutica pelo Marechal Mascarenhas de Morais dizia que a única saída para que se evitasse uma guerra, seria a renúncia do presidente. Mesmo com a insistência de membros do alto escalão do governo, do vice-presidente Café Filho, e de sua família terem orientado à renúncia, Getúlio dizia-se inocente das acusações, e prefere cumprir a Constituição e averiguado os fatos, e punirem os culpados pelo crime na Rua Toneleros. Mais do que ninguém, Vargas queria essa investigação. Afinal, o Major Vaz era amigo pessoal do presidente, muito jovem, e oficial promissor. Certamente, sentiu-se abalado internamente por saber que pessoas ligadas diretamente a ele tomariam decisões sem sua anuência. Alzira Vargas, filha de Getúlio, em depoimento afirma que o pai estava consternado em saber que o chefe de sua guarda pessoal Gregório Fortunato, de sua extrema confiança estava envolvido. Vargas deu à oposição o material que precisava para denegrir sua imagem pública. Certamente, Getulio Vargas seria deposto, e com violência. Barricadas foram instaladas do lado de fora do Palácio do Catete para impedir a saída do presidente. O clima estava tenso. Getúlio não concordava com os termos do manifesto, e afirmava que só deixaria a presidência da República morto. Na madrugada do dia 24 de agosto de 1954, Vargas reuniu-se com seu ministério, e anunciou que, pela Constituição Federal poderia licenciar-se por alguns dias até que os fatos contra Lacerda estivessem esclarecidos, passando o poder para o vice-presidente Café Filho interinamente. Este ato de Getúlio repercutiu na oposição como a assinatura de uma renúncia. Os opositores comemoraram a vitória. Contudo, Vargas recolhe-se em seus aposentos, veste seu pijama listrado branco e vermelho com suas iniciais bordadas ao lado esquerdo, e com um tiro no peito põe fim à sua vida, encerrando um período que conhecemos como a Era Vargas.
O suicídio de Vargas toma a sociedade de surpresa. Todos pensavam que o licenciamento do presidente acalmariam os ânimos. E o jogo muda de lado. A população enfurecida sai às ruas acusando as forças armadas, e principalmente Carlos Lacerda e a UDN de serem os responsáveis pela morte do “presidente do povo”. Lacerda teve que sair do país temendo ações populares de represália. A carta-testamento deixada por Vargas escrita à mão e a outra datilografada, deixam clara o descontentamento dele com as ações do governo, às traições internas, à presença dos Estados Unidos na economia e na política do país. A saída radical de Getúlio retarda o golpe militar que seria dado 10 anos mais tarde pelos mesmos políticos que tentaram tirá-lo do poder.

4.       Cenário externo e interno.

A industrialização no Brasil não estava completa e ainda caminhava para maior desenvolvimento e modernização. Destacou-se durante esse mandato o crescente aumento e desenvolvimento das indústrias no país. Vargas era um estatizador. As empresas de infraestrutura, matéria-prima, e na indústria de base estavam nas mãos do governo. A Companhia Siderúrgica Nacional – CSN, a Fábrica Nacional de Motores – FENEME, a Companhia Vale do Rio Doce, além da Companhia Hidroelétrica do São Francisco – CHESF, a Petrobrás, dentre outras, davam a Vargas poderio político de controle econômico sem precedentes. Tanto que é considerado pelos historiadores como o “Pai da Indústria”, responsável pela “Revolução Industrial Brasileira”, que apesar de tardia, impactou a economia, gerou empregos, e colocou o Brasil entre os países subdesenvolvidos em industrialização.
O início da década de 1940 foi marcado pela forte presença do capital estrangeiro em solo brasileiro. Neste ponto, Vargas não pode ser considerado como um presidente inteiramente nacionalista e que não aceitava o dinheiro estrangeiro aqui. Ao contrário, o presidente permitia os recursos e investimentos estrangeiros no Brasil. A posição confusa de Vargas muitas vezes mostrava certa incoerência nas suas decisões. Há historiadores que atribuem a Vargas que ele tinha um projeto de desenvolvimento do Brasil com capital nacional aliando trabalhadores e industriais. Vargas era contrário que os recursos naturais brasileiros fossem explorados por empresas estrangeiras, como acontecia na Argentina com a exploração do petróleo pela Repsol. Assim, o setor energético passa a ser vital nesse segundo governo de Vargas. O controle nacional da exploração do petróleo e do carvão mineral, além da produção de energia elétrica pela Eletrobrás é decisivo para o projeto de Vargas fomentar a entrada de capital externo no Brasil.
A criação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU) foi importante para discutir aspectos relevantes no que tange à participação do Brasil no contexto geopolítico internacional. Os termos do acordo da CMBEU giravam em torno da questão energética. Sem dúvida, os Estados Unidos queria apoio na guerra fria, e principalmente na guerra da Coreia, também o livre acesso à exploração do petróleo e de minerais para produção de armas nucleares. Neste cenário de participação estrangeira no Brasil, diversas manifestações e movimentos nacionalistas surgiram. Em 1951 organiza-se o movimento de nacionalização do petróleo, sob o lema de “O petróleo é nosso”, contra um plano de excessivo investimento do dinheiro dos EUA no Brasil. O governo, embora bastante pressionado pelos movimentos militares e populares, institui apenas em 1953 o monopólio estatal do petróleo brasileiro com a criação da Petrobrás. Cria também o Plano Nacional do Carvão.
A atitude do governo brasileiro de nacionalização do petróleo não agradou aos Estados Unidos. Em meio ao forte momento da guerra fria uma atitude nacionalista de “caráter comunista”. Temendo maior nacionalização e a implantação de um governo comunista no Brasil, território que era de grande interesse político, econômico, cultural e mercadológico os EUA começaram a pressionar Getúlio Vargas. A recusa de Vargas em participar da Guerra da Coreia (1950-1953) em apoio aos estadunidenses aumentou a crise externa entre os dois países. Isso criou um mal-estar entre os dois países. A primeira ação foi o corte unilateral assinado pelo presidente dos Estados Unidos Eisenhower de ajuda econômica ao Brasil, acordo assinado em 1951, no governo Vargas pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), de US$ 400 milhões para U$ 180 milhões reduzindo os investimentos no país. Depois, desestabilizam o preço do café no mercado internacional. Getúlio Vargas notadamente adota uma postura independente na política externa. Contudo, o Brasil não poderia ter o luxo de perder investimentos. Afinal, a nossa indústria estava em fase de consolidação. Contudo, a crise cambial se agravou, e a CMBEU extinguiu-se.
A década de 1950 caracteriza-se pela internacionalização do capital. Os preços do café já não eram mais atrativos com o aumento da concorrência do café colombiano e africano. Nosso país precisava encontrar uma solução para o equilíbrio da produção entre as indústrias de base, pesada, de bens de consumo. Passamos praticamente a primeira metade do século XX estruturando a indústria brasileira de base. Éramos um país produto de bens de consumo perecíveis apenas, e grande importado de bens duráveis e semi-duráveis. Importávamos bens de capital, e matéria-prima elaborada. Ou seja, o parque industrial brasileiro era fraco e pouco diversificado. A crise de 1929 apontou para o início da organização da industrialização brasileira. Por meio de Vargas, as empresas de infraestrutura e as indústrias de base citadas anteriormente ganharam corpo e se firmaram no país. O investimento na criação de rodovias e ferrovias integrou as áreas mais remotas do país durante o Estado Novo de Vargas, bem como a quebra das barreiras de fronteiras nas unidades federativas que permitiram a livre circulação de mercadorias dentro da nação. Por isso, preocupado no desenvolvimento regional, no governo democrático cria o BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) e a SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia).
Na década de 1950 a propagação da cultura estadunidense invadia o mundo capitalista ocidental. O American Way of Life, ou estilo de vida americano, difundia a cultura do “Tio Sam”. O Brasil também importava essa cultura. Os eletrodomésticos, carros, a casa própria, a família de “comercial de margarina” davam a tônica de como o mundo deveria se comportar diante do consumo. Aliás, consumo e consumismo eram as palavras de ordem dentro do universo capitalista. As disparidades entre as regiões nacionais, e dentro dos grandes centros urbanos, afunilavam para uma pequena fatia da elite brasileira que se permitia tal aventura. Disparidades essas que cada vez mais se acentuavam nas cidades, principalmente aquelas que recebiam novas plantas industriais como era o caso de São Paulo. Investimentos em saneamento básico, iluminação pública, pavimentação de ruas, moradias, tornavam-se bandeira de luta dos movimentos trabalhistas. A carestia, a fome, e o aumento da pobreza, aumentavam ainda mais as desigualdades sociais.
Contudo, a América Latina entrava na pauta dos Estados Unidos apenas como fornecedora de matéria-prima, e fundamentava sua presença no treinamento militar, fornecimento de armas, e ajuda financeira para que mantivessem o controle. Afinal, era muito prático: países próximos de governos manipuláveis, parque industrial fraco, alto grau de importação de bens industrializados. Era apenas uma questão de manter sob controle evitando a expansão do comunismo soviético por aqui. O foco dos estadunidenses era, por questão de segurança internacional, reconstruir a Europa e o Japão para evitar a perda hegemonia capitalista mundial.

* Jornalista graduada na Universidade Metodista de São Paulo

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